Feios, porcos e maus

A situação que se vive em toda a bacia do Lis é bem o reflexo do que atrás ficou escrito: um crescimento urbanístico desregrado que invade terrenos agrícolas e asfixia os espaços verdes sem criar outros, um crescimento industrial descuidado e sem qualquer preocupação ambiental, uma proliferação de explorações pecuárias sem ordem nem método que libertam os efluentes para qualquer lado. O resultado é visível: uma bacia hidrográfica, de grandes potencialidades, seriamente ameaçada e de onde o peixe desapareceu, mas cujas águas ainda regam os vegetais que consumimos diariamente.
(…)
Há que sentar à mesma mesa os responsáveis pelos vários organismos (…) intervenientes, desde a Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais aos agentes económicos, e estabelecer um programa específico de acções (…) que atenuem a pressão da poluição sobre o meio ambiente.
(Jornal de Leiria, 8 de Julho de 1988)

O constante crescimento populacional, o desenvolvimento industrial e o advento da pecuária intensiva se encarregaram de criar novos e graves problemas de poluição do Rio Lis.
(…) A enorme concentração de suínos na nossa região origina uma parte significativa da poluição que vai matando a bacia do Lis.
(Jornal de Leiria, 29 de Julho de 1988)

A comunicação social (regional e nacional) tem vindo sistematicamente a alertar quem de direito para os problemas que a bacia do Rio Lis enfrenta. Uma breve consulta aos arquivos (e apenas aos dos anos 80) revela uma alternância “acidente/promessa de resolução” que dá a medida das preocupações reais que o Ambiente provoca aos responsáveis pelas entidades envolvidas e do “medo” que os agressores sentem.
(Região de Leiria, 13 de Janeiro de 1989)

Os nossos eleitos pensam que, por enquanto, basta falar do Ambiente, da Cultura, do Património. O “povo” não dá muita importância a esses “coisas”, preocupação exclusiva de uns quantos “intelectuais chatos e abelhudos” apostados em desviar as atenções dos seus concidadãos.
(Diário de Leiria, 23 de Setembro de 1992)


O problema do funcionamento das suiniculturas em Leiria é tão velho quanto as próprias suiniculturas.
Fruto de uma certa industrialização da pecuária, e devidamente fomentadas pela necessidade de aumentar a auto-suficiência alimentar, as suiniculturas proliferaram na década de 70 do século passado, de forma anárquica e, portanto, sem o necessário enquadramento. Se a isto juntarmos a quase total ausência de preocupações ambientais, temos o ‘caldo de cultura’ com que hoje no essencial convivemos.
É verdade que a realidade de hoje é substancialmente diferente da que vivemos com particular acuidade nos anos 80 e 90 do século passado. Apesar de tudo, houve significativas melhorias, desde a produção legislativa de controlo da actividade a alguma consciência ambiental entretanto adquirida por alguns.
Mas não deixamos de conviver com uma verdadeira ‘selva’, a começar pela localização de boa parte das explorações.
E a suinicultura é hoje a mais significativa fonte de poluição da bacia do Rio Lis, apesar de ser verdade que a sua existência permite mascarar outras formas de poluição eventualmente tão agressivas como aquela.
Há, todavia, um ‘antes’ e um ‘depois’. Há um ‘antes’ da Direcção da Associação de Suinicultores presidida por David Neves e um ‘depois’ (melhor dizendo, um ‘durante’) dessa Direcção.
Porque os actuais dirigentes se empenharam manifestamente na procura de uma solução. Podemos dizer que se empenharam pouco, ou insuficientemente, mas empenharam-se e, com isso, geraram inclusivamente algum desagrado entre uma fatia dos seus pares.
Falta, então, o quê?
Temos legislação, temos governos (muitos) a manifestarem vontade de solucionar o problema, temos dirigentes do sector que ‘dão o peito às balas’ e garante querer ser ‘parte da solução’ e não ‘parte do problema’, por que razão, ou razões, o projecto de tratamento dos efluentes ‘arrasta os pés’ há tantos anos?
Não percebo esta guerra aberta entre os suinicultores (representados pela Associação e pela Recilis) e o Secretário de Estado do Ambiente. Não percebo esta troca de acusações, que já vai na alegada (eia! consigo usar esta palavra!) má utilização de verbas pela Recilis e em manifestações públicas dos suinicultores.
Fica, aliás, a ideia de existir uma velada intenção de acabar com as suiniculturas…
Os cidadãos (principalmente nós, que aqui residimos) têm direito a ser informados com verdade e sem propaganda do que se passa. Não podemos continuar a ser ‘bombardeados’ com trocas de acusações e a sofrer as consequências da poluição.
Chega! Este ‘arrastar de pés’ acarretará, em minha opinião e a curto prazo, o desinteresse dos suinicultores na solução entretanto estudada para o tratamento dos efluentes. E sem eles, nada feito!
Se é certo que aqui (também) deve ser aplicado o princípio do poluidor/pagador, é igualmente certo que a suinicultura não pode ser condenada à extinção ou ao definhamento (tendo em conta os postos de trabalho criados e a importância de que se reveste para a vida económica da região.
Se há falta de empenhamento dos suinicultores isso deve ser dito com clareza (e já o devia ter sido há muito tempo). Se o governo (este Governo) entende que o sector é dispensável, também o deve dizer claramente (e assumir as consequências).
No meio disto tudo, só se percebe quem são os ‘porcos’: são aqueles animais de quatro patas que, quando pequenos e devidamente assados, fazem da Boa Vista um local de peregrinação gastronómica.
Falta perceber quem são os ‘feios’ e quem são os ‘maus’…

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