O som do silêncio

Numa das suas primeiras aparições públicas, a nova Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, ignorou as dezenas de microfones estendidos na sua direcção e remeteu para as suas palavras escritas pouco antes.
Joana Marques Vidal fez toda a diferença relativamente à generalidade das ‘figuras públicas’, que não resistem a um microfone e desatam a falar, a falar, sem nada dizer (ou, demasiadas vezes, dizendo barbaridades).
Leitor assíduo de Eça de Queiroz, nessas ocasiões de verborreia lembro as suas palavras na ‘Correspondência de Fradique Mendes’ (1º edição, Porto 1900): “Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas”. E lamento que tantas ‘figuras públicas’ as desconheçam ou ignorem.
Se em tempos ditos normais, tal facilidade de afirmação e opinião é já chocante, em momentos difíceis e extraordinários como os que vivemos essa irresistível atracção pelo microfone é factor de confusão, quiçá mesmo de alarme. Toda a gente sabe de tudo, toda a gente tem opinião sobre tudo.
À vista de um microfone, toda a ‘lucidez’ se concentra naquela ‘figura pública’. Ouvindo-as com atenção, na maioria dos casos concluiríamos pela vacuidade da maioria do que dizem ou, ainda pior, pela contradição com o que haviam dito horas, dias ou semanas antes. Mas que importância tem isso? Naqueles segundos, ficaram garantidas as ‘benditas’ sete linhas do jornal (nos tempos modernos convenientemente substituídas por igual número de segundos de televisão ou rádio).
Precisamos de quem nos apoie para descodificar as perplexidades do mundo? Certamente! Porém, ajuda não é sinónimo de verborreia, nem o ‘achismo’ permanente é ‘ajuda’ recomendável.
Em muitas ocasiões, o som do silêncio seria a melhor ajuda que nos podiam prestar.
(in 'Região de Leiria' - "Da margem do Lis", 26 de Outubro)

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