Os donos da razão

Leio nos jornais que a Associação 25 de Abril, pela voz do seu presidente, comunicou urbi et orbi que não vai participar nas comemorações oficiais da ‘Revolução dos Cravos’.
Ainda hesitei, temendo dar demasiada importância ao ‘facto’. Mas a revolta interior que senti ao ler tal texto acabou por me decidir.
Era eu um jovem/adulto de 18 anos quando o 25 de Abril aconteceu. Vivi todas as etapas, todas as vicissitudes destes 38 anos, mais ou menos intensamente, mais ou menos participante. Aprendi a Democracia, tentei praticar a tolerância, o debate e a partilha de ideias e projectos.
Aprendi que a Democracia não tem donos e que um dos seus primeiros ditames é o respeito pela vontade soberana do povo, expressa em eleições. Coisa, aliás, que os ‘militares de abril’ solenemente nos prometeram.
Ouvir (ou ler) agora que alguns desses ‘militares de abril’ se excluem das comemorações alegando que (e cito) “a linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril” provocou essa revolta e a necessidade de aqui comentar tal atitude.
Podemos discordar completamente das medidas tomadas pelo Governo, das leis aprovadas pela Assembleia da República, da actuação do Presidente da República, das decisões do Tribunal Constitucional. Podemos não nos rever em nenhum dos titulares de cargos políticos.
Nada de grave se passará. Apenas estaremos perante o normal em Democracia. Que, sublinho, não tem donos, tutores ou fiscais!
Esta atitude protagonizada pelo presidente da Associação 25 de Abril fez-me recuar largos anos na minha vida. Como nunca tive jeito para jogar futebol, para o fazer tinha que ser o dono da bola: assim ditava as regras…
(Mário Soares, enquanto ex-Presidente da República, tem um conjunto de regalias que pressupõem um conjunto de deveres. Participar na comemoração do acto fundador da nossa Democracia não pode depender de estados de alma)

(in 'Região de Leiria' - "Da margem do Lis", 27 de Abril)

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